Texto da exposição CARVÃO – MUNCAB, Museu Nacional da Cultura Afro Brasileira. Salvador – BA, 2019
Essa exposição surgiu da urgência de fazer arte, coisa que artista tem muito e faz por isso. A urgência sempre esbarra em dá e não dá. Daí surgiu o carvão e deu arte sem produto-coisa, não-objeto, custo zero. Riscar na parede o carvão.
O carvão de pau queimado dá para desenhar em qualquer superfície. Uma matéria tão antiga, ancestral. Registro simples, frágil e duradouro se ficar numa caverna bem escura. Fixa fácil mas sai fácil também.
Fácil também é desenhar com ele. Risco, desenho de mar, de gente, de carro, de bicho, nada muito desconhecido, tudo significante, tudo substantivo.
Tudo substantivo inclusive as paredes, as janelas e a luz da exposição. Na exposição, desenhos gigantes. Há algo de solene e grandioso neles como nas cavernas pré-históricas, sentimento respeitoso, aurático: a exposição não era para ser assim…
Não era para ser assim, foi piorando, foi ficando confusa, sem sentido, associações pareadas, dípticos, trípticos, ancestralidades, afro-descendências, questões de gêneros, alegorias, cachorro latindo, garças, cheiro de pneu queimando, peão de obra trabalhando…tudo assim porque ficou tudo unido, polissêmico, sem autor, sem nome, só carvão. A não-autoria deu, para surpresa de todos, a possibilidade de anulação positiva; um desprendimento numa atemporalidade comum, contemporâneos.
Contemporâneos por não saber o que estamos fazendo, sem distância temporal das coisas, uma realidade gigante demais para entender, indefinível ainda, imagem projetada e projetiva. Desambiguar delas mesmas.
Elas mesmas desaparecerão para se completarem, esse pó preto e fininho vai sair da parede, sumirá tudo … dissolução narrativa, espírito do tempo, invisível de novo. A exposição se completa no apagamento, no retorno ao nada de novo.
Ricardo Bezerra
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